30/01/2013

ALÉM DA LINHA

Quando comecei a acompanhar rugby ainda em 2007 não tinha ideia nem das regras e nem o que aqueles caras faziam se amontoando atrás de uma bola oval. Com o tempo aprendi as regras e muito mais coisa. Com o tempo vi times perdendo de 70-0 lutando por alguns metros a mais no ataque faltando menos de 2 minutos de partida. Vi jogadores enfrentando a dor, se jogando compulsivamente num ruck para puxar um companheiro ou para lutar por alguns centímetros de gramado como se fosse o último prato de feijão da Terra. Rugby é mais que um esporte. É uma filosofia. Depois que entranha na tua vida o rugby altera até tua visão e entendimento do que é companheirimo e amizade.

Eu prometi que não escreveria sobre o incêndo na boate Kiss, mas não posso deixar de compartilhar, não uma história sensacionalista em cima do sofrimento alheio, mas uma história de um sujeito, Vinicius Rosado, professor de educação física e jogador do Universitário Rugby de Santa Maria. Segundo consta, contado por inúmeras testemunhas, Vinicius foi um dos primeiros a sair da boate. Vendo que seus amigos e os que acompanhavam não tinham conseguido sair, Vinicius voltou. Vinicius voltou e salvou ou ajudou a salvar 14 vítimas. Se fosse uma que fosse, já seria um grande ato de desprendimento. Mas, Vinicius, talvez por sua índole, educação, talvez por carregar o sentimento que todo rugbier carrega dentro das quatro linhas, se atirou no fogo como o pilar que se atira no ruck, o half que tackleia numa saída de scrum, lutando em um maul interminável, mas não por alguns metros de campo e sim para ajudar seus semelhantes, companheiros de desgraça.

Tal como o personagem cínico de Sean Penn em Além da Linha Vermelha, em um misto de admiração e incompreensão, muitos exclamarão que ele morreu. Um maldito heroi, como diria Sean Penn. Não sabemos o que faríamos, certamente se conseguíssemos sair, fugiríamos. Mas nas horas trágicas, nos momentos mais difíceis da vida, alguns poucos, grandes homens, ultrapassam a linha que separa a vida da eternidade, Vinicius Rosado ultrapassou essa linha. Compartilho aqui não a tragédia, mas um exemplo. Que não seja esquecido. Que repensemos nossa estupidez, hipocrisia e a pequenez de espírito. Que não se fabriquem mais acontecimentos trágicos. Que os herois possam morrer velhos. Que os herois não precisem aparecer. O heroísmo é um soco no estômago da insensatez. Vinicius Rosado, que tenha o descanso dos justos. Humanidade, aprenda.

12/12/2012

RUGBY - DO LADO DE DENTRO DO CAMPO

Na época do gauchão de Rugby, em um dos jogos na Montanha, o Aldo da SulBack tinha me falado de "um jogo que a gente faz de sevens". Eu disse que fazia muitos anos que não praticava nenhuma atividade física. O Aldo respondeu que "não, é só uns caras que nem nós. Mais se empurram e caem que jogam." Pensei, "bom, tenho 41 anos e já está na hora de voltar a praticar algum esporte. Porque não tentar o Rugby?" Sei, vocês que não estão acostumado a acompanhar os jogos dirão: É um louco! Não deixo de dar um pouco de razão. Eu também pensaria assim até uns cinco anos atrás antes de começar a ser contaminado pelo vírus do Rugby. Não é só um esporte como outro qualquer. É a vida dentro de campo contada em capítulos de despreendimento, coragem e muita concentração e adrenalina.

Em junho finalmente sai do marasmo e voltei à musculação. Sou meio doido mas não o bastante pra tentar entrar em campo sem um mínimo de preparo. Pesando mais de 100kg em 1,80m, eu era um mamute, mas um mamute sem fôlego e com a força só no peso. Meu primeiro objetivo era a minha saúde, antes de tudo. Diminuí bastante as frituras, quase não como doces, a não ser chocolate amargo, e comecei a comer menos no almoço, que é a refeição que costumava patrolar. Quatro vezes por semana numa academia onde treinam jiu-jitsu, boxe e MMA, sem muita frescura, tosqueira, povo quase tão louco quanto no Rugby, só não correm atrás de uma bola. É um incentivo e tanto alguém te responder quando tu reclama da tendinite; "Não, velho. Continua que o músculo reforça e a tendinite passa." Parei uma semana por conta do ombro esquerdo que não suportava o aumento nos pesos, mas logo aprendi a manha do aquecimento de ombro com o elástico. Quando me inscrevi pra ImpedCopa, torneio de futebol 7 insano organizado pelo Impedimento, tinha baixado meu peso em quase 10 kg. Tudo isso sem largar a cerveja (o que já contribuiria expressivamente na dieta). Meu time jogou 11 vezes, jogos de 11 minutos. Eu joguei somente 6 jogos. Saí porque o time encaixou. Ou seja, minha "classe" zagueirística foi catapultada pelo bem do grupo e por um meia habilidoso. Nada mais justo.

Faltava o Rugby. Os farrapos já me convidaram muitas vezes para chegar num treino, sempre adiado por conta da distância e de tardes de sábado com o Lorenzo. Mas a vontade de pelo menos treinar e aprender nunca sumiam da minha mente. Como avisado pelo Aldo, SulBack e Farrapos organizaram um jogo exibição antes das finais da última etapa do 7's gaúcho, na Montanha em Bento Gonçalves. Mamutes do Farrapos, um time com a essência do Rugby, os gordos, ou seja, os forwards, 1ª linhas, a nata de peso envolta em jogadores, ex-jogadores e convidados do Farrapos, mais uns "fracotes", como eu, pra enfrentar o Canfora RC, um Barbarians castelhano-brasileiro com jogadores e ex-jogadores de diversos clubes gaúchos e argentinos. O bando de "velhos" como brincou o Aldo era a turminha fraca aqui debaixo. Como se vê o gringo não estava brincando quando chamou o povo pra treinar no campo do Walkirians (time do Monstro, mas isso é outra história) em Ana Rech. Era jogo pra vencer. A tática do maul de 70 metros seria colocada em prática. Esse era o mote do time, além de, claro, muita cerveja e churrasco.

Canfora - Os "velhinhos" do Aldo
Os Mamutes, o pessoal leve abaixo, não treinou nada. Quer dizer, eu não treinei. Nunca treinei com ninguém. Meu conhecimento de Rugby passava por torcer e acompanhar os jogos do Farrapos ou os jogos que passam na TV a cabo ou na Internet e correr com uma pizada de 6, 8 anos na pracinha perto da minha casa em Porto Alegre. Entrar em campo pra jogar XV ao lado de jogadores experientes, titular da seleção brasileira e muitos outros com larga bagagem, contra jogadores experimentados e inteligentes do outro lado, sem nunca ter treinado confesso que foi meio doido. Mas eu não tinha medo disso. Eu precisava jogar e, sendo pelo Farrapos, mais que uma necessidade, era um sonho. Algo me dizia que meu problema seria outro. Orientação espacial e coordenação pra acompanhar o grupo. Minha expectativa era: "Vou saber acompanhar as jogadas? Receber a bola e passar direito? Vou conseguir chegar direito num tackle? Dar assistência no ruck?" Eram muitas dúvidas concentradas em nenhuma experiência prática de jogo.

Mamutes - Scrum de uma tonelada
Antes de iniciar a partida o Tito, presidente do Farrapos, junto com os outros companheiros me deram uma aula rápida para minha estreia acontecer com segunda linha. Afinal, era um jogo-exibição, a brincadeira consistia em inverter backs e forwards. Tchê, vou te dizer, o scrum é uma máquina de guerra! Os segunda-linhas se apoiam um no outro e, cabeça enfiada entre duas bundas gordas, engancham no meio das pernas dos primeira-linhas e são prensados pela terceira linha para a frente. As orelhas saem queimando, o que me deu a resposta porque aqueles caras altões com camisas 4 e 5 usam scrumcaps. Eles têm amor pelas próprias orelhas.

Minha preparação pré-jogo foi passar duas horas tomando Fermet com Coca debaixo de um sol de 30 graus sob a orientação física e técnica de nosso treinador Leonardo Scopel, enquanto acompanhávamos os jogos de Sevens, feminino e masculinos juvenil e adulto. Não comi nada, com medo de usar o protetor bucal pela primeira vez e porquear na hora do jogo. Podem rir, mas ainda falta tempo pra aprender a correr e pensar com aquele lance na boca. Durante boa parte do jogo tirei da boca e guradei no calção. Era mai fácil pra respirar. Não é o certo e nem aconselho fazer, mas fiz.

A partida deu início e os caras vieram pra cima. Canfora dê-lhe tacklear e os Mamutes forçando no que tem de melhor: a primeira linha avançando na força. A vontade era tanta que o Gonza, artista do desenho e, entre outras obras, autor da camiseta "orgulho farrapo" do time de Bento Gonçalves, tackleou tanto que deslocou o ombro. Entende-se. Demos carona pra ele e era explícita a empolgação dele em jogar rugby com amigos argentinos depois de alguns anos. Na hora nem me dei conta. Sai de campo para que Mamutes fantasiados entrassem em campo e abrilhantassem a festa com humor e logo depois voltei. E que retorno.

Gonza - de Entre Ríos para o mundo, um valente
Num lateral na esquerda, eu posicionado na outra ponta, e o Canfora dá um chute em diagonal. A bola deveria ser minha. Furei. Ela picou e, como toda bola ova, traiçoeira, ao invés de sair pela outra lateral, voltou pro meio e um adversário pegou e afundou um try no nosso ingoal. A partir daí o jogo começou a pegar. Os mamutes jogavam em casa e não aceitariam a derrota. Minha participação no scrum foi pro espaço. Fiquei na linha, aguardando, sem ter habilidade pra pegar de centro e servir na primeira assistência no ruck, um ou outro mamute me indicava a ponta e segurar posição. Foi assim durante boa parte do 1º tempo. Eu tenntando subir e voltando correndo pra não deixar um buraco atrás. Me sentia meio inútil, mas sabia que um buraco, uma bola espirrada e era outro try deles. Acabou o 1º tempo e 12-5 pro Cânfora.

Marcelo "Má Fama" Benvenutti mostrando toda sua destreza
Foi aí que entrou a astúcia de Scopel, o nosso 'Graham Henri". Em uma audaciosa decisão, ignorando as ordens táticas que o Tito dava aos jogadores, serviu, tenho que contar para que o mundo saiba e estude, Gatorade com Fermet para nossos jogadores. Naquele momento eu tive certeza que viraríamos o jogo. Nenhum time de Rugby no mundo bebe tal mistura escabrosa sem que o destino lhes deixe de prêmio a glória dos escolhidos. O 2º tempo começou pegado e os Mamutes optaram pelo jogo de enfrentamento, no melhor espírito do Farrapos. Era ruck em cima de ruck, e eu, prensado entre alguém me dizer pra segurar na ponta ou cair nos rucks, ficava como barata tonta correndo pro meio e voltando pra lateral. No 1º ruck que cheguei confesso que espanei. Não sabia o que fazer. Nos seguintes chegava atrasado ou alguém com mais tino pegava a bola e gritava "libera Marcelo!" Daí em diante comecei a me jogar, mesmo sem nenhuma noção. Levei umas espinafradas, saí voando, convertemos um try e o jogo ficou no Canfora 12-10 Mamutes.
Fases intermináveis - Jogo de gigantes
Quando eu estava começando a pegar o jeito em me enfiar naquele bolo, e voltar correndo e marcar a lateral e pensar em duas ou três coisas ao mesmo tempo, o tempo que, parafraseando o poeta e jogador revelação dos juvenis do Farrapos, Lucas Mariuzza, é "como Nescau. Quando a gente vê, acabou." Depois de 877 fases o juiz marcou uma falta dentro dos 5 metros. A estratégia friamente calculada de Scopel chamou Lucas "Stent" Brunelli para converter o penal decisivo. Mamutes do Farrapos 13-12 Canfora RC. O que veio depois, o chamado "terceiro tempo", é um segredo só reservado aos que adentram o gramado. Quer saber o que é? Pratique Rugby! Não vai te arrepender.

26 - na verdade nem exite na numeração do XV
Ps.: Agradeço a todos que de uma forma ou outra me ensinaram algo de novo. A todos fica a minha amizade e a certeza que quero aprender muito mais. E um agradecimento especial pra minha mulher, Betine, lá, sentada na arquibancada, escutando corneta em cima do 26 barbudo na ponta que não jogava nada e achando que teria que me carregar depois do jogo. O Lorenzo, meu filho, não. Pra ele tudo é festa! É um mini rugbier.

(fotos do Jornal Serra Nossa e de Diogo Filippon)

04/10/2012

Uma História de Rugby - Parte Um

Posso dizer que tudo começou em 2007 por conta de nossa comadre, Milena Fischer, que na verdade não gosta e nem tem nada a ver com Rugby. Mas na época ela fez uma pauta sobre o bairro de Palermo em Buenos Aires, bairro de artistas, onde livrarias, lojas de moda de rua, bares, boêmia ativa que se perpetua sobre a capital portenha, e a Betine, como não poderia deixar de ser, ficou doida para conhecer a cidade, as lojinhas, tudo. Peso em baixa, Real em alta, fomos bem grandões passear por Buenos Aires, mas na verdade passaríamos quase todo o tempo em Palermo.

Na mesma época acontecia a Copa do Mundo de Rugby da França. Entre uma loja e outra eu observava as TVs ligadas e argentinos vidrados acompanhando os jogos. Claro que não era um público de futebol, mas observavam como se fosse um esporte tão compreensível quanto basquete, por exemplo. Eu ficava ali matutando, bebendo a jarra de Quilmes e tentando compreender porque no Brasil eu nem tinha notícia de Rugby. Pra mim era como se fosse um esporte fantasma. Muitos anos antes tinha lido uma matéria na Zero Hora sobre o Charrua, era algo tipo "um novo esporte surge em Porto Alegre", mas que não teve continuidade, claro.

Palermo 2007 - argentinos e o Rugby

Antes de voltar comprei uma El Grafico e tinha uma reportagem completa, com tabela e tudo o mais, sobre a Copa da França. Comecei a acompanhar os resultados pela internet. De vez em quando um ou outro jogo passava na ESPN, eu assistia, mesmo que sem entender muito, só pela diversão de ver aquele embolamento e o que à primeira vista parece uma pancadaria. Em 2009 o premiado Invictus de Clint Eastwood ajudou muito, apesar de o tema central do filme ser a luta pela igualdade em um país destroçado por uma ditadura racista, o Rugby é o elemento aglutinado que Mandela sabiamente utiliza durante a Copa de 1995.

Finalmente conheci o Farrapos Rugby, time da cidade de Bento Gonçalves, terra da Betine. Lendo e os jornais da cidade acompanhei o crescimento do time até que vencesse o 1º título estadual, e no ano passado, com o bi e a participação no novo Super10, campeonato nacional de Rugby XV. Resolvi, como sempre resolvo quando pretendo conhecer um determinado assunto, fazer um intensivo pela internet mesmo. Acompanhar os jogos da Heineken Cup na ESPN e a Copa do Mundo da Nova Zelândia também vieram em auxílio. Restava acompanhar em campo. Ano passado fui a um jogo da Copa RS onde o Farrapos perdeu para o Novo Hamburgo. Indiferente à derrota, o crime estava feito. De lá pra cá tenho acompanhado o esporte de forma vertiginosa, como um vício incontrolável, vício este que aos poucos vai consumindo a energia que eu dispendia acompanhando futebol e o Inter.

Farrapos x Charrua no campo da BM - 2012

Após a copa de 2011 começaram os rumores da Argentina se juntar ao Tri Nation, competição dos grandes do hemisfério sul disputada entre Nova Zelândia, Austrália e África do Sul, e jogar contra eles algo previamente chamado Four Nations, mas que viria a ser Rugby Championship. Pois aconteceu. Quando saiu a tabela e o dia do jogo já pedi pra Betine marcar a parte das férias que faltavam pro fim de setembro. Eu tinha que assistir. Assistir Pumas x All Blacks seria como um Brasil x Itália de 1970. Impossível não querer estar lá. Comprei as entradas nos primeiros minutos do dia 7 de maio quando abriram as vendas pela internet. Estava feito. Não tinha mais volta. Quase cinco meses aguardando ansiosamente o grande dia.

Enquanto aguardava torci pelo tri inédito do Farrapos, acompanhei o Super10, os amistosos de fim da temporada europeia contra os países do sul, voltei a fazer musculação, correr e tentar voltar à forma física, nem que ainda seja a de um barril musculoso. Tudo isso é culpa de muitos fatores sendo que o principal deles é que o Rugby me fez acreditar em algo palpável, amizade e esporte, lutar pelos seus objetivos mantendo um código de honra e lealdade, quase um caminho do samurai (assistam Ghost Dog). Nada disso nasceu assim, do nada, foi um caminho que eu permiti se abrir na minha frente. Esse caminho teria que passar novamente por onde tudo começou: ARGENTINA.

Mas disso eu falo semana que vem na Parte Dois.

12/09/2012

Lutando Contra os Números

Um blog como este, de um neófito no Rugby tentando compreender o esporte, poderia simplesmente se resumir a exaltar a beleza do esporte, que está além das jogadas, dos dribles de corpo, daquele chute que pega a defesa adversária desprevenida e resulta em um try dos mais saborosos. Ainda não chegamos na ebulição do Rugby no Brasil. Eu diria que a temperatura da fervura da subindo, mas ainda falta um tanto pra chegarmos no ponto de ebulição. Uns 10 a 15 anos que seja. Talvez até o fim desta década, quem sabe? Com a RugbyChampionship na Argentina os sul-americanos amantes do Rugby agradecem o incentivo.

Dia 01 de setembro o Farrapos jogava contra o SPAC em São Paulo. Pra mim que gosta de assistir futebol no estádio, no máximo na TV, mas não tenho paciência pra rádio ou internet, acompanhar pelo twitter é muita tortura. O Lorenzo já tinha nos programado naquele sábado de sol e temperatura agradável. Fomos no Museu da PUC (50 reais bem investidos, diga-se), depois um almojanta na Lancheria do Parque, a melhor de todas, e à noite, um piquenique à luz de velas no Parcão. Oito horas de diversão pela cidade de Porto Alegre. Enquanto isso rolavam e terminavam as quartas-de-final do Super10. Eu preferia não saber os resultados antes de chegar em casa.

Meus maiores temores se confirmaram quando abri o site http://www.rugbysuper10.com.br/ . Tudo estava lá. SPAC 47-19 Farrapos. Não pelo placar, que muitas vezes no Rugby não significa o que foi o jogo. Sem ter assistido a partida me restam as estatísticas que o site fornece. Até os 19 do 2ª tempo o placar estava em 20-19 para o centenário clube paulistano. Quer dizer, nos últimos 20 minutos, o último quarto do jogo, é que foi decidida a partida. Mesmo que sem todos os dados e cruzamentos necessários, tentei concluir algo daquilo que como torcedor observo do Farrapos. Décadas de fanatismo futebolístico me fazem transpor para o o Rugby aquilo que observo no futebol. Retirar dos dados e da observação algo que me faça compreender aquilo que acontece em campo.

Pois bem, abri a 1ª lata de cerveja, coloquei os fones de ouvido, quando o Lorenzo me deixa escutar em paz, meus Happy Mondays, Noels Gallagher e Slades, e, sem pressa, entre uma lata e outra, colocar numa tabela o que observo e ver se os números fecham com com o que meus olhos teimam em acreditar: Que o Farrapos cai de produção no último quarto da partida.  Não pensem que é uma crítica. Não! Longe de mim. Sei das dificuldades que um jogador que trabalha e estuda em tempo integral enfrenta, pagando pra jogar, pra treinar e chegar em um nível de rendimento de competição. Não tem vida fácil. E dentro deste enfrentamento os jogadores, a comissão técnica e os dirigentes se jogam de cabeça. O que aqui vou detalhar é apenas uma constatação.

Peguei os dados dos 7 jogos do Farrapos no Super10 de 2011 e os 5 jogos do Super10 de 2012. Fiz uma tabela dividida em quartos de partidas, de 20 em 20 minutos, 2 quartos por tempo. Depois estabeleci uma relação entre os anos e a pontuação, diferença de pontuação, trys a favor e contra, penals convertidos a favor e contra e punições (cartões amarelos e vermelhos). É o que o site me proporciona. Nos penals não se tem a informação de quantos foram cometidos ou de quantos forem chutados pra fora.  Assim como não existem estatísticas de tackles, offsides, viradas, knockons, disputas de scrum ou de laterais. Talvez alguém com mais tempo livre e tendo os VTs pudesse fazer este levantamento (acredito que alguém faça isto, apesar de ser um trabalho exaustivo).

Nos 7 jogos de 2011 a média de placares do Farrapos foi 15-32. Em 2012, em 5 jogos, 15-33. Praticamente inalterada. Em 2011, 61% dos pontos foram convertidos no 2º tempo; Em 2012, 60% no 1ª tempo. Em 2011 não existiu grande variação nos pontos sofridos, a média entre os quartos variou de 7 a 9 pontos contrários. Já em 2012, 60% dos pontos foram sofridos no 2º tempo, sendo 36,5% no último quarto. Uma varição de mais de 40% em relação à 2011. Enquanto em 2011 a maior variação de pontuação era o time perder por 5 pontos de diferença no 1º quarto e depois baixar a diferença, em 2012 o Farrapos, na média, perdeu o 1º quarto por UM PONTO, o 2º por 2, o 3º por 3 e o último por DEZ pontos. Um decréscimo na pontuação quase exponencial da equipe nos últimos 20 minutos. Na média a equipe perdia por 11-24 faltando 20 minutos e em 2012 perde de 13-21. De 13 para 8 pontos de diferença. Estes 5 de diferença são sofridos nos últimos 20 minutos.

Esta diferença de evidencia quando observamos que 2/3 dos tries eram convertidos no 2º tempo em 2011 e em 2012 são convertidos no 1º tempo. Mas se decaiu os tries de um tempo para outros, porque a diferença na média continua a mesma? Porque quase quase metade dos tries (48%) são sofridos no último quarto da partida. Como as penalidades convertidas caíram na mesma proporção, o que considero uma evolução do próprio Super10, mais experiência e intercâmbio, menos penalidades, e os cartões do Farrapos caíram para menos de 25% do que recebiam o ano passado, demonstrando uma evolução técnica e de conhecimento das regras da equipe, a única explicação plausível para este decréscimo da produção, tanto ofensiva quanto defensiva, do Farrapos nos últimos 20 minutos, pra mim, deve-se muito mais ao estilo de jogo proposto que propriamente a uma falta de preparo físico mais acentuada.

Obviamente, como leigo, me atenho ao que apreendi do esporte como observador nos últimos 5 anos e do que vejo quando assisto aos jogos da arquibancada (mas a TV e a Internet também me ajudam nestas horas), possa estar errando em minha conclusões. Ainda me confundo, e muito, nas funções de cada jogador em campo. Enquanto a maioria admira principalmente os 1ªas linhas e o abertura, me ligo nos fullbacks, nos que dão o 2º combate e nos atravessadores. Nada mais natural pois quando jogo futebol quero jogar no desrame, na destruição e largar a bola para os outros. Minha natureza é destruidora e sempre tendo a admirar os pedreiros em vez dos arquitetos, apesar de saber que são estes que finalizam.

Resumindo, que já avancei demais nos números, o Farrapos é uma equipe fisicamente muito forte, a mudança de jogadores do Super10 de 2011 pra 2012 foi na base de uns 40%, mas a equipe titular este ano é relativamente mais jovem, logo não seria o físico uma influência determinante, mas sim a escolha de um jogo forte no scrum, nos rucks, nos volantes, apostando em agredir e segurar o adversário nos primeiros 40 minutos e fazer diferença. É um estilo argentino, que é logicamente influenciado pelo rugby europeu, o britânico principalmente. Eu gosto. Mesmo prefiro os Pumas aos Wallabies, mas gosto dos Bokkes e não tenho como não admirar o Rugby total dos All Blacks, mas essa escolha, certa ou errada, confronta com um outro estilo, do drible de corpo, da velocidade e da troca rápida e precisa de passes. Acredito que resta ao Farrapos encontrar o equilíbrio, que virá com o tempo, de saber manter sua personalidade, que o diferencia no Rugby nacional, com velocidade e técnica nos momentos cruciais de cada partida.

Sábado, dia 15/09, tem mais. Contra o Curitiba fora de casa é a semifinal do 5º lugar. Para o Farrapos vencer já o colocará em uma patamar mais alto que em 2011. Lutando contra o números. Do começo ao fim. Em frente!


21/08/2012

O FILHO DE JO

Ontem finalmente consegui assistir o filme que tinha gravado contando a história de Tom, um garoto do sul da França, que gosta de rugby mas se vê forçado pelo pai a ser o melhor para seguir a tradição centenária da família Canavarro de jogadores de Rugby pelo RC Doumiac.

O diretor do filme, Phlilippe Guillard, é também um ex-jogador de rugby do Racing Club, empreendeu este filme de 95 minutos e custo de 2,5 milhões de euros  em 2010, sendo lançado antes no sul da França, tradicionalmente a região onde o rugby é muitas vezes mais forte que o futebol, no final de 2010.

O pai de Tom, o Jo do título, interpretado pelo reconhecido ator na França,  Gerárd Lanvin, viúvo, criou sozinho o filho enquanto batalha, sem sucesso, para pagar as dívidas e manter o sonho do clube de rugby da família. Ajudado por Pompom, interpretado por outro ex-jogador de rugby, do Stade français, entre outros clubes, Vincent Moscato, que é um agregado e melhor amigo de Jo, Chinês, um mulherengo ex-jogador do Doumiac que traz para ser treinador um verdadeiro all-black, outro ex-jogador atuando no filme, tenta montar um time, mesmo que no começo à revelia de seu filho, Jo, com  quem mantém uma relação conflituosa.

É um filme comercial, óbvio, mas um filme comercial francês. Quando tudo poderia descambar pra pieguice, o humor e as grosserias típicas dos franceses, dão a tônica do filme, que além de ser uma apologia à irmandade que se cria no rugby, é também a história de aproximação, auto-conhecimento e descobertas entre pai e filho. Vale cada minuto da uma hora e meia. Pra quem gosta de rugby e é pai, como eu, é um prato cheio e temperado. Assistam!

Abaixo o trailer legendado

30/07/2012

A LUZ E A SOMBRA


Em Porto Alegre o dia amanhecia gelado e nebuloso. A cerração baixa fazia com que os automóveis ligassem os faróis. O dia se deixava vislumbrar sombrio, mas à medida que subíamos a serra até Bento Gonçalves a temperatura subia e o sol se abria com toda a força que consegue manifestar em uma manhã de julho abaixo dos trópicos no hemisfério sul. Certo que cochilei após o almoço e decidi, sozinho, caminhar até a Montanha. Um porto-alegrense de 41 anos, que visita regularmente Bento desde 2004, mas ainda não conhece os atalhos para fugir das piores lombas, como carinhosamente chamamos subidas íngremes aqui pelas bandas do paralelo 30. Pouco mais de um mês depois de voltar à uma academia e aos treinamentos na musculação, atividade que me dediquei regularmente de 1999 até 2005 e que abandonei para me dedicar a outra atividade, bem mais onerosa e cansativa, mas recompensadora em todos os sentidos, a de ser pai do Lorenzo, fui eu, passada forte, encarar os sobe-e-desces da capital do vinho gaúcho.


Na metade da segunda lomba, a mais íngreme de todas, ao lado do estádio da Montanha (porque vocês acham que ele tem esse nome?), literalmente botei os bofes pra fora. Os gritos da organizadas do Farrapos, os Los Farrapos, uma língua rollingstoniana verde é o seu símbolo, me impulsionaram a encarar a segunda metade da subida, já implorando para chegar ao final dela vivo. Inteiro eu não estava. Fui direto ao bar e, como nunca, pedi uma garrafa de água. Sem gás. O blusão de lã que antes me aquecia agora me sufocava. O gás me faria explodir.. Olhei para o placar que marcava 3-0 para o Farrapos contra o Desterro, a vibração que me deu forças para terminar minha via crucis de torcedor de Rugby, a água recobrando minhas forças e o caminho até às velhas arquibancadas do antigo estádio de futebol.


O sol, forte como nunca em uma tarde de julho em Bento, esquentava a partida, e o Desterro, se aproveitando de uma desatenção, a primeira da tarde, da linha farrapa, marcou o seu primeiro try, não convertido, e estabeleceu o 5-3 no placar. O Farrapos estreava sua camisa alusiva a Revolução Farroupilha, num jogo contra um dos dominados da revolta gaúcha do século XIX, era como se o passado viesse assombrar os generais rebeldes. O sol quente era um aviso dos céus, impenetrável. O grupo rio-grandense tentava manter a pegada e jogar com a contundência de quem se exibia em frente ao mais fiel público de Rugby do Super10. A barra pulava e cantava sem parar, os bumbos espoucando e dando ritmo ao time. Do outro lado do estádio, a torcida aparentemente mais calma, formada por familiares, crianças e muitos curiosos, alguns até sem nem mesmo compreender muitas das regras do esporte bretão, gêmeo bivitelino do futebol, gritava incentivando o clube a buscar seu try.


Impulsionado pelo sol o Desterro chegou ao segundo try enquanto o Farrapos se desgastava em tentativas frustradas de tries, fases sobre fases, rucks sobre rucks, o time catarinense chamando as forças do Império e, estrategicamente, fugindo dos scrums farrapos, base de sua força e prevalência moral. E assim o primeiro tempo terminou, 10-3 para o Desterro. Decidi, como todo bom supersticioso, trocar de lado de arquibancada. Obviamente não influenciaria em nada no resultado da partida, como também a torcedora de seus 60 anos não alteraria nada, casaquinho em punho, berrando na grade, “vamos farapo”, com a entonação e os erres característicos da fala do povo de Bento. Eu, já só de camiseta, aproveitava o curto intervalo para armazenar minha mente de álcool, única decisão sensata para espantar o azar, ou a noção de realidade, e deixar com que as sombras das nuvens que se amontoavam abaixo do sol iluminasse os jogadores do Farrapos. E assim foi.


Mais consistente, brigando por espaços e batalhando à gaúcha, corpo-a-corpo intenso, avançavam sobre as forças imperialistas, quer dizer do Desterro, Garibaldis empurrando um navio pelas dunas de Laguna, as nuvens trazendo um pouco do clima gélido das plagas nos fins de julho, e o astro-rei, obviamente monarquista, se contorcia à busca de um Caxias para lhe ajudar a aniquilar as forças de Bento Gonçalves. Enquanto as forças das sombras dominaram a Montanha, o Farrapos voltou a ter mais posse de bola, marcar em cima as tentativas de contra-ataques rápidos do Desterro, e impondo um try convertido e forçando, dentro da linha dos 22, os catarinenses a cometerem falta. Um adversário pressionado sempre comete mais faltas, pois no Rugby, o que parece simples não é. Claro que a qualidade do passe é importante, a inteligência nas mudanças de lado, nas quebras de linha, nos dribles, na jinga, a arte de escapar tal qual um muçum, peixe escorregadio da região e nome de uma cidade próxima, mas a marcação, a defesa, exige atenção máxima, o olhar fixo, como a esperar para dar o bote certo no tackle, a corrida no momento certeiro e a aposta na imprevisibilidade da oval ao tocar o chão em sua trajetória irregular e ao mesmo bela.


A bola de Rugby é como aquela mulher, tentadora, persuasiva, que nos faz correr atrás dela como bobos. Parece que vai para um lado e vai para o outro. Resvala, nos faz cometer erros imperdoáveis, cai para frente, tonto, o jogador tateia no espaço vazio à procura da bola e ela, zombeteira, cai em mãos alheias. Nos breves momentos em que a colocamos embaixo do braço, aconchegada sob a asa, ela é nossa, de mais ninguém. O try orgasmático da vitória, como se fosse um esperma insano tentando adentrar o óvulo matreiro, a oval só atinge seu objetivo quando prensada sobre o ingoal adversário. Só assim, subjugada, ela se entrega e beija o solo, até a próxima jogada, quando volta a ser como sempre foi. Traiçoeira. Imprevisível. Desafiadora.


O 13-10 a favor no placar acalmava a torcida que agora cantava a pleno. A torcedor sessentona aliviada, sentava-se a observar. Parecia questão de tempo segurar as investidas do time de Florianópolis e tentar converter um try ou um ou dois penals para, pelo menos, garantir a vitória, mesmo que mínima. Mas as sombras que traziam o frio se desformaram, assim como as forças da defesa farrapa, e Bento Gonçalves começou a sofrer as baixas de um exército que se exaurira numa ferrenha batalha corporal. Os jogadores catarinenses se aproveitavam destes momentos e disparavam pelos flancos da linha de Bento convertendo trys na metade do segundo tempo. A torcida, como que pega de surpresa, tentava reagir com gritos esparsos. O sol era negro e as sombras se perdiam no horizonte, A tarde quente trazia o desalento do silêncio ao apitar final do juiz. O Farrapos ainda lutava, como em tantas outras vezes naquela partida, por um trabalhoso try de fases, frustrado por um erro, um knock-on, embolamento que cega o árbitro, a oval que beija outro na saída da festa. 27-13, ponto bônus para o Desterro e a certeza que algo poderia ter saído melhor.


Um resto de cerveja quente amargava na minha lata. Restava-me juntar aos soldados combalidos e, entre abraços e demonstrações de amizade, sorrir na desgraça. Os verdadeiros amigos se conhecem na derrota. Quem vive sempre sob o sol não sabe que é nas sombras que se encontram forças para seguir em frente. Nos meus delírios noturno se desenhava a verdade do Rugby no fundo do copo. Saber que não escolhemos amigos ou inimigos, mas escolhemos as ideias com que farão com que uns sejam amigos e outros, não. Quem escolhe o Rugby não escolhe inimigos. Que venham os paulistas!