12/12/2012

RUGBY - DO LADO DE DENTRO DO CAMPO

Na época do gauchão de Rugby, em um dos jogos na Montanha, o Aldo da SulBack tinha me falado de "um jogo que a gente faz de sevens". Eu disse que fazia muitos anos que não praticava nenhuma atividade física. O Aldo respondeu que "não, é só uns caras que nem nós. Mais se empurram e caem que jogam." Pensei, "bom, tenho 41 anos e já está na hora de voltar a praticar algum esporte. Porque não tentar o Rugby?" Sei, vocês que não estão acostumado a acompanhar os jogos dirão: É um louco! Não deixo de dar um pouco de razão. Eu também pensaria assim até uns cinco anos atrás antes de começar a ser contaminado pelo vírus do Rugby. Não é só um esporte como outro qualquer. É a vida dentro de campo contada em capítulos de despreendimento, coragem e muita concentração e adrenalina.

Em junho finalmente sai do marasmo e voltei à musculação. Sou meio doido mas não o bastante pra tentar entrar em campo sem um mínimo de preparo. Pesando mais de 100kg em 1,80m, eu era um mamute, mas um mamute sem fôlego e com a força só no peso. Meu primeiro objetivo era a minha saúde, antes de tudo. Diminuí bastante as frituras, quase não como doces, a não ser chocolate amargo, e comecei a comer menos no almoço, que é a refeição que costumava patrolar. Quatro vezes por semana numa academia onde treinam jiu-jitsu, boxe e MMA, sem muita frescura, tosqueira, povo quase tão louco quanto no Rugby, só não correm atrás de uma bola. É um incentivo e tanto alguém te responder quando tu reclama da tendinite; "Não, velho. Continua que o músculo reforça e a tendinite passa." Parei uma semana por conta do ombro esquerdo que não suportava o aumento nos pesos, mas logo aprendi a manha do aquecimento de ombro com o elástico. Quando me inscrevi pra ImpedCopa, torneio de futebol 7 insano organizado pelo Impedimento, tinha baixado meu peso em quase 10 kg. Tudo isso sem largar a cerveja (o que já contribuiria expressivamente na dieta). Meu time jogou 11 vezes, jogos de 11 minutos. Eu joguei somente 6 jogos. Saí porque o time encaixou. Ou seja, minha "classe" zagueirística foi catapultada pelo bem do grupo e por um meia habilidoso. Nada mais justo.

Faltava o Rugby. Os farrapos já me convidaram muitas vezes para chegar num treino, sempre adiado por conta da distância e de tardes de sábado com o Lorenzo. Mas a vontade de pelo menos treinar e aprender nunca sumiam da minha mente. Como avisado pelo Aldo, SulBack e Farrapos organizaram um jogo exibição antes das finais da última etapa do 7's gaúcho, na Montanha em Bento Gonçalves. Mamutes do Farrapos, um time com a essência do Rugby, os gordos, ou seja, os forwards, 1ª linhas, a nata de peso envolta em jogadores, ex-jogadores e convidados do Farrapos, mais uns "fracotes", como eu, pra enfrentar o Canfora RC, um Barbarians castelhano-brasileiro com jogadores e ex-jogadores de diversos clubes gaúchos e argentinos. O bando de "velhos" como brincou o Aldo era a turminha fraca aqui debaixo. Como se vê o gringo não estava brincando quando chamou o povo pra treinar no campo do Walkirians (time do Monstro, mas isso é outra história) em Ana Rech. Era jogo pra vencer. A tática do maul de 70 metros seria colocada em prática. Esse era o mote do time, além de, claro, muita cerveja e churrasco.

Canfora - Os "velhinhos" do Aldo
Os Mamutes, o pessoal leve abaixo, não treinou nada. Quer dizer, eu não treinei. Nunca treinei com ninguém. Meu conhecimento de Rugby passava por torcer e acompanhar os jogos do Farrapos ou os jogos que passam na TV a cabo ou na Internet e correr com uma pizada de 6, 8 anos na pracinha perto da minha casa em Porto Alegre. Entrar em campo pra jogar XV ao lado de jogadores experientes, titular da seleção brasileira e muitos outros com larga bagagem, contra jogadores experimentados e inteligentes do outro lado, sem nunca ter treinado confesso que foi meio doido. Mas eu não tinha medo disso. Eu precisava jogar e, sendo pelo Farrapos, mais que uma necessidade, era um sonho. Algo me dizia que meu problema seria outro. Orientação espacial e coordenação pra acompanhar o grupo. Minha expectativa era: "Vou saber acompanhar as jogadas? Receber a bola e passar direito? Vou conseguir chegar direito num tackle? Dar assistência no ruck?" Eram muitas dúvidas concentradas em nenhuma experiência prática de jogo.

Mamutes - Scrum de uma tonelada
Antes de iniciar a partida o Tito, presidente do Farrapos, junto com os outros companheiros me deram uma aula rápida para minha estreia acontecer com segunda linha. Afinal, era um jogo-exibição, a brincadeira consistia em inverter backs e forwards. Tchê, vou te dizer, o scrum é uma máquina de guerra! Os segunda-linhas se apoiam um no outro e, cabeça enfiada entre duas bundas gordas, engancham no meio das pernas dos primeira-linhas e são prensados pela terceira linha para a frente. As orelhas saem queimando, o que me deu a resposta porque aqueles caras altões com camisas 4 e 5 usam scrumcaps. Eles têm amor pelas próprias orelhas.

Minha preparação pré-jogo foi passar duas horas tomando Fermet com Coca debaixo de um sol de 30 graus sob a orientação física e técnica de nosso treinador Leonardo Scopel, enquanto acompanhávamos os jogos de Sevens, feminino e masculinos juvenil e adulto. Não comi nada, com medo de usar o protetor bucal pela primeira vez e porquear na hora do jogo. Podem rir, mas ainda falta tempo pra aprender a correr e pensar com aquele lance na boca. Durante boa parte do jogo tirei da boca e guradei no calção. Era mai fácil pra respirar. Não é o certo e nem aconselho fazer, mas fiz.

A partida deu início e os caras vieram pra cima. Canfora dê-lhe tacklear e os Mamutes forçando no que tem de melhor: a primeira linha avançando na força. A vontade era tanta que o Gonza, artista do desenho e, entre outras obras, autor da camiseta "orgulho farrapo" do time de Bento Gonçalves, tackleou tanto que deslocou o ombro. Entende-se. Demos carona pra ele e era explícita a empolgação dele em jogar rugby com amigos argentinos depois de alguns anos. Na hora nem me dei conta. Sai de campo para que Mamutes fantasiados entrassem em campo e abrilhantassem a festa com humor e logo depois voltei. E que retorno.

Gonza - de Entre Ríos para o mundo, um valente
Num lateral na esquerda, eu posicionado na outra ponta, e o Canfora dá um chute em diagonal. A bola deveria ser minha. Furei. Ela picou e, como toda bola ova, traiçoeira, ao invés de sair pela outra lateral, voltou pro meio e um adversário pegou e afundou um try no nosso ingoal. A partir daí o jogo começou a pegar. Os mamutes jogavam em casa e não aceitariam a derrota. Minha participação no scrum foi pro espaço. Fiquei na linha, aguardando, sem ter habilidade pra pegar de centro e servir na primeira assistência no ruck, um ou outro mamute me indicava a ponta e segurar posição. Foi assim durante boa parte do 1º tempo. Eu tenntando subir e voltando correndo pra não deixar um buraco atrás. Me sentia meio inútil, mas sabia que um buraco, uma bola espirrada e era outro try deles. Acabou o 1º tempo e 12-5 pro Cânfora.

Marcelo "Má Fama" Benvenutti mostrando toda sua destreza
Foi aí que entrou a astúcia de Scopel, o nosso 'Graham Henri". Em uma audaciosa decisão, ignorando as ordens táticas que o Tito dava aos jogadores, serviu, tenho que contar para que o mundo saiba e estude, Gatorade com Fermet para nossos jogadores. Naquele momento eu tive certeza que viraríamos o jogo. Nenhum time de Rugby no mundo bebe tal mistura escabrosa sem que o destino lhes deixe de prêmio a glória dos escolhidos. O 2º tempo começou pegado e os Mamutes optaram pelo jogo de enfrentamento, no melhor espírito do Farrapos. Era ruck em cima de ruck, e eu, prensado entre alguém me dizer pra segurar na ponta ou cair nos rucks, ficava como barata tonta correndo pro meio e voltando pra lateral. No 1º ruck que cheguei confesso que espanei. Não sabia o que fazer. Nos seguintes chegava atrasado ou alguém com mais tino pegava a bola e gritava "libera Marcelo!" Daí em diante comecei a me jogar, mesmo sem nenhuma noção. Levei umas espinafradas, saí voando, convertemos um try e o jogo ficou no Canfora 12-10 Mamutes.
Fases intermináveis - Jogo de gigantes
Quando eu estava começando a pegar o jeito em me enfiar naquele bolo, e voltar correndo e marcar a lateral e pensar em duas ou três coisas ao mesmo tempo, o tempo que, parafraseando o poeta e jogador revelação dos juvenis do Farrapos, Lucas Mariuzza, é "como Nescau. Quando a gente vê, acabou." Depois de 877 fases o juiz marcou uma falta dentro dos 5 metros. A estratégia friamente calculada de Scopel chamou Lucas "Stent" Brunelli para converter o penal decisivo. Mamutes do Farrapos 13-12 Canfora RC. O que veio depois, o chamado "terceiro tempo", é um segredo só reservado aos que adentram o gramado. Quer saber o que é? Pratique Rugby! Não vai te arrepender.

26 - na verdade nem exite na numeração do XV
Ps.: Agradeço a todos que de uma forma ou outra me ensinaram algo de novo. A todos fica a minha amizade e a certeza que quero aprender muito mais. E um agradecimento especial pra minha mulher, Betine, lá, sentada na arquibancada, escutando corneta em cima do 26 barbudo na ponta que não jogava nada e achando que teria que me carregar depois do jogo. O Lorenzo, meu filho, não. Pra ele tudo é festa! É um mini rugbier.

(fotos do Jornal Serra Nossa e de Diogo Filippon)

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