17/04/2012

CHUVA, BARRO, RUGBY!

Sábado de manhã choveu rios em Bento Gonçalves. O Estádio da Montanha, pra quem conhece a cidade, se localiza bem na parte alta da região central. Além de ser o palco principal de jogos do Esportivo, tradicional clube de futebol da cidade hoje brigando para subir para a série A do Gauchão, também em seu currículo sediar uma das únicas partidas de futebol profissional, acho que é a única, disputada sob neve intensa. No dia 30 de maio de 1979 o valente Esportivo de então, sob uma temperatura de 4 graus negativos garantiu um 0x0 clássico, daqueles renhidos de time do interior. Apesar das reclamações do treinador gremista Ornaldo Fantoni:, que o Esportivo "é um time muito violento" ou que era "o jogo mais violento que já vi aqui no sul" aquele Esportivo seria vice-campeão gaúcho, melhor posição do clube na história, e só não párticiparia da Taça Ouro, a série A do Brasileiro, pois "o estádio não teria condições". Hoje o Estádio da Montanha revive seus tempos de força e garra abrigando outro esporte: o Rugby.
Foto do Correio do Povo - Olhem a nevasca!
Chegamos logo depois das quatro da tarde e o Farrapos acabava de concluir a jogada que terminara no quatro try da partida. 26-0 contra o Novo Hamburgo pela terceira rodada do gauchão de Rugby. As velhas arquibancadas tomadas por cerca de 300 torcedores, a maioria do "Farrapo" (sem o "s" como carinhosamente chama a torcida) e alguns do Novo Hamburgo. Ao lado da arquibancada, sob uma lona, uma copa daquelas de jogo de Gauchão de futebol pré-evangelização hipócrita, refrigerante, água e cerveja, tudo sob uma fumaça de salchipão que depois do jogo alimentaria os famintos atletas que se digladiavam no gramado pesado, e artigos de Rugby da SulBack, que faz o uniforme do Farrapos e de outros times do Rio Grande do Sul e do Brasil, movimentada. O público da cidade já se divide entre futebol e Rugby. Noticiário local dá conta que novo estádio do Esportivo, retirado da zona central, com capacidade para 13 mil pessoas, registra no máximo mil torcedores por jogo, e também já sabe muioto do esporte. Sabe tanto que até corneta rola.

Mas se o campo já estava pesado, o que nem de longe deixava insatisfeita torcida e os rugbiers, afinal, nas palavras de Aldo Javier Tamagusuku, proprietário da SulBack, "pode ser que chova o suficiente para deixar o jogo mais emocionante, com cara de rugby gaúcho mesmo", o tempo atendeu seu chamado. O Farrapops já emplacava cruéis 31-0 no NH quando o mundo desabou sobre a Montanha. Durante cerca de meia hora uma intensa chuva caiu sobre o centro de Bento Gonçalves, o campo, psiotaedo nos scrums e nos rucks pelos pesados jogadores das duas equipes, já se transformava em um lodo em certas partes. O Farrapos, com um jogo de base mais forte, vencia o NH nos scrums e, muitas vezes, literalmente empurrava a linha do adversário pra dentro dos seus 22 metros. E dentro dos 22 o Farrapos trabalhava a bola até, depois de muitas fases, abrir uma brecha, na ponta, pelo meio dos forwards, e empílha tries. O 1º tempo fechou 38-0. Eu contei, mas posso estar errado pois cheguei depois do início do jogo, 6 tries sendo 4 convertidos.
NH não desistiu nunca de tentar segurar os de Bento
O segundo tempo começou mais pesado, o NH se defendendo muito bem, segurando como podia o jogo de mão do Farrapos, que pra mim se mostrou bem mais entrosado do que eu esperava, com passes de qualidade, inversões rápidas e até firuals, como passar por trás das costas e derrubar a marcação adversária. Eu sabia que o XV do Farrapos era forte no scrum e, certa vez, conversando com Márcio Melo, manager do clube, ele se disse fã do estilo irlandês de jogar, senti que a aposta, se fosse no futebol diria, esquema tático, do time é jogar forte, na base, e depois trabalhar de mão. Os irlandeses, pelo menos eu observo como torcedor, têm um estilo pesado como o escocês, mas com mais qualidade, como o do atual time nacional galês. Os times irlandeses sempre entram como favoritos nas competições, tanto que nas últimas seis Heineken Cups seus clubes saíram vencedores em quatro. E o que vi sábado foi um jogo de mão muito bom e forwards muito fortes. Tanto que quando o jogo se enroscava fazia muito tempo no 38-0 um try de scrum colocou abaixo o resto das energias do NH. O try de scrum, quando o scrum ultrapassa o ingoal com bola e tudo, é uma das maiores demosntrações de superioridade física de um time sobre outro. O Novo Hamburgo, obviamente, não se entregou, e tentou de todas as formas chegar nos 22 de Bento. Em vão. mais uma jogada e outra e o jogo acabou em acachapantes 55-0, 9 tries, 5 convertidos, e festa da barra dos Farrapos.
Tirei uma antes de acabar a bateria da câmera pra registrar o clima.
Sim, o Farrapos, tem uma barra, a Los Farrapos. Bandeiras, barras, claro, faixas, e cerca de 20 a 30 malucos griatando e cantando o tempo todo, gritos como "sangue, garra, Farrapo", mesmo sob o temporal que caía muitas vezes de lado e fazia com que uma nuvem pousasse sobre as imediações do estádio, deixando a visibilidade curta até mesmo de um lado ao outro do campo. Lá pelas tantas engrenaram um "vieram de Novo Hamburgo pra tomar um chocolatê" com o carcerístico sotaque de Bento. Longe de ser ofensivo, o grito evidencia uma das premissas do Rugby. Jogar sempre pra vencer e respeitar o adversário significa jogar pra marcar tries o tempo todo. Mesmo o NH quando teve chance de cobrar um penalti e tentar sair do zero, era uma bola não muito longe, preferiu sair de kick e partir pro try. O try é o objetivo. Não desistir nunca, mesmo vencedo por 40 pontos de vantagem, é respeito. Não deixar de tentar jamais., mesmo a derrota já sendo inquestionável, é a razão de ser do jogador de Rugby. O Lorenzo berrava junto, bem alto, por pura sentimento de bagunça, meias e tênis encharcados de pular em poças, mas ele sabe que um time que "pegar a bola e sair correndo" e outro "tem que tentar derrubar e roubar a bola". É o básico pra um guri de seis anos de idade entender o esporte.

A torcida de Bento corneteia o juiz nas marcações. "Foi knockon (quando um jogador deixa a bola cair pra frente), juiz mangolão!" Outro grita quando atravessam a linha no scrum: "Saí daí, abobado! Tá errado!" Um princípio de briga rola dentro do campo. Um, jogador ameaça socar outro, levou um pisão num ruck, mas chegam mais dois e fica tudo por isso. Os jogadores de Rugby se esquentam, é do jogo, mas é difícil o jogo descambar pra pancadaria, até porque seria feio se descambasse. Um jogador de Bento se lesiona e a equipe médica entra, a ambulância em dois toques está tirando ele de lá. Pouco minutos depois ele volta de cabeça enfaixada até os ouvidos, abanando e rindo pros seus amigos nas arquibancadas.  Lá pelas tantas, jogada encardida nos 22, e um jogador do Farrapos tenta dar uma de Brian O'Driscoll, centro e capitão da Irlanda, e chuta a bola na diagonal, meia altura, na direção do ingoal para que algum back ultrapasse a linha inimiga e prense a bola em um try, quando um mais gaiato grita: "Porra, Coghetto, mas não inventa, tchê! Pra que fazer isso?" Foi ali que tive certeza de estar no lugar certo. Quando começa a corneta é que se instala a paixão. Se em outro esporte de massa quando se atinge a meta todos ficam satisfeitos, no Rugby não é assim. Quando se atinge o objetivo, na verdade foi só uma tentativa. O objetivo está sempre na próxima tentativa.

Barra do Farrapos não arreda pé debaixo de chuva forte
Mais fotos e informações da partida:
SerraNossa (reportagem) -http://www.serranossa.com.br/editorias/esporte/debaixo-de-chuva-farrapos-goleia-novo-hamburgo/
Fotos do SerraNossa - http://www.serranossa.com.br/serraclick/bento/esportes/farrapos-55x0-novo-hamburgo/1/
SulBack (fotos) - http://sulback.com.br/o_rugby/90/fotos_farrapos_x_novo_hamburgo/
Federação Gaúcha de Rugby (estatísticas) - http://www.fgrugby.com.br/?page_id=504
Informações do "jogo da neve" tiradas de diversas fontes na internet são do Correio do Povo.

(na próxima prometo chegar no horário e com a bateria da câmera carregada)

Dia 5 de maio, a decisão pela liderança do grupo, Charrua x Farrapos, em Porto Alegre.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Longe de ser ofensivo, o grito evidencia uma das premissas do Rugby. Jogar sempre pra vencer e respeitar o adversário significa jogar pra marcar tries o tempo todo."
Concordo plenamente. Sou integrante da barra dos Farrapos e é esse o nosso espírito, não estamos lá para insultar ninguém, apenas para apoiar o nosso Farrapos em busca da vitória. Parabéns pelo blog.