11/03/2012

Como Não Treinar Rugby (ou Rugby de Pracinha)

Desde que intensifiquei meu fanatismo pelo Rugby tenho descoberto de tudo, desde identificação e amizades até preconceito e ignorância. Óbvio que cresci jogando, pensando e falando somente de futebol. Teve um certo período da vida que joguei basquete, mas eu era tão ruim quanto era no futebol. Tosco. Enquanto as outras crianças e adolescentes queriam ser atacantes ou meia-armadores eu queria ser zagueiro ou volante. Nunca gostei, até por não ter categoria pra tanto, de jogar do meio pra frente. Meu negócio era colar em alguém, tentar roubar, ou derrubar, e passar adiante. No basquete eu era sempre expulso por cinco faltas. No basquete TUDO é falta. Pra mim, claro.

Como qualquer criança cresci no mundo americanizado da TV e nos filmes sempre apareciam os personagens assistindo ou até jogando futebol americano. Não me atraía. Nem imaginava que existia Rugby. Então fiquei por aí, andando de bicicleta durante anos, quando ser ciclista não era um patido político hipster, até que a noite começou a ficar mais forte que a bicicleta e me atirei nas cordas. Voltei a me exercitar alguns anos depois, até pra combater uma depressão que se avizinhava após a morte do meu pai, na musculação. Perdi 15 quilos, cheguei a pesar 68 kg, e com 28 anos eu era um cadáver ambulante. Em poucos anos recuperei peso e força. Cinco anos depois tinha 83 kg e, apesar de continuar na noite, era um sujeito fisicamente bem.

Mas então veio a paternidade e virei nisso daí (não tem foto aqui, claro). 95 kg em 1m80. E nesse meio tempo visitamos a Argentina, por acaso, durante a Copa do Mundo de Rugby da França de 2007. Desde então tenho cada vez mais me interessado pelo esporte. Tanto quanto futebol. Hoje em dia posso dizer que gosto de ambos quase da mesma maneira. Senti isso hoje quando eu e o Lorenzo fomos na pracinha e primeiro levamos a bola de futebol. Jogamos um pouco, mas o Lorenzo cansa logo, por preguiça mesmo, e voltamos para casa pegar dinheiro para comprar picolé, pra ele, e uma Heineken, pra mim. Na volta levamos a bola de Rugby.

A desculpa é que poderíamos brincar de Rugby. O Lorenzo, como qualquer criança brasileira, é atraído pelo futebol. Tá na escola, na TV, nas ruas, é uma cultura dominante. Preferiu brincar na areia. A verdade é que a criança aqui, como resmunga a minha mulher, Betine, queria a bola de Rugby. Quando peguei a de futebol na mão tive uma sensação estranha. Calma, não foi nenhuma visão divina nem nada do genêro. Foi só que peguei ela com a mão, joguei pra cima e chutei. No momento seguinte me dei conta que eu tava correndo pra pegar. É assim que NÃO treino Rugby. Jogo pra cima e pra frente, com o pé ou com a mão, e saio correndo pra tentar pegar. Primeiro tento pegar no ar, mas se meu chute for longo (mais de 10 metros prum sedentário como eu), espero ela picar e tentar pegar no ar do modo que der, de preferência só com uma das mãos. Já serve pra eu suar a long neck que acabei de tomar. Quando pensei que eu queria pegar a de futebol na mão me senti ao mesmo tempo feliz e um traidor. Um traidor porque eu amo futebol. Feliz porque eu descobri que também amo o Rugby. Confuso, não?

Pois o Lorenzo uma hora pediu pra eu pegar uma flor numa árvore. Deixei a bola com ele e vieram outras criança e pediram pra olhar. As crianças começaram a correr e tentar roubar uma das outras. O Lorenzo também correu atrás. Depois daquilo as outras viram o jogo e um menorzinho, menor que o Lorenzo, que tem quase seis anos, pediu pra jogar. Dei a bola e expliquei que o jogo era correr, o outro tentar roubar e largar num lugar pra fazer ponto. Em pouco tempo ele e o Lorenzo já estavam correndo. Apareceram mais duas gurias e já eram um cinco. Eu jogava a bola pra eles correrem atrás e tentar passar por mim pra fazer o ponto. Durou uns 10 minutos o jogo. O tempo suficiente pro Lorenzo cair no chão, esfolar o joelho na areia e voltar chorando.

Com a partida suspensa voltamos pra casa, o Lorenzo com a bola de Rugby na mão dizendo que na próxima ia furar a bola, ou jogar no colégio que tem do lado da pracinha. Obviamente ele estava brabo por ter se esfolado. Eu tentei argumentar que no futebol também se esfola. Que quando eu era criança vivia com os joelhos rasgados e as canelas cheias de tocos dos adversários. Mas ele não acreditou. Não vou insistir. O espírito rebelde dele eu já conheço. Vai dizer que não só pra me vencer. Espero que ele seja como eu: um tosco com alma. O Rugby é jogado por toscos com alma. Descobri tarde demais? Não sei. O tempo dirá, como sempre. Se o Lorenzo vai se interessar? Espero que sim. Mas não vou forçar. Se quisesse jogar minhas frustrações nele comprava uma bateria porque eu queria era ser baterista, outra forma de jogar Rugby. Só me restou a literatura, mas não me dou bem com os escritores. É tudo meio confuso? É. Como o Rugby. Simples, mas complicado.

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