22/11/2011

Sábado de Rugby

Morando em Porto Alegre e tendo que catar informações pela Internet de onde ocorrem partidas de Rugby na cidade tinha guardado a data de 19 de novembro para acompanhar a etapa de Porto Alegre do Rugby Seven, a modalidade olímpica. Confesso que ainda é difícil arrancar notícias e mesmo trocar ideias de torcedor ou aficcionado, que seja, afinal NUNCA joguei Rugby, mas é como se tivesse jogado a vida toda, o que pra mim dá na mesma, a vida é sempre aquilo que começou 5 segundos atrás. Não que não exista passado, existe, mas quem faz o passado o futuro e o presente é o que vivenciamos. O Rugby é uma boa partida. Me sinto bem no ambiente, no campo, vendo o jogo, sabendo que ninguém vai desistir. Não gosto de desistir.

O Rugby entrou na minha vida assim como muitas outras coisas prezas. Como a literatura, o futebol, o rock e a cerveja. Tava tudo ali, no HD, só faltava ligarem o programa certo. O Rugby chegou por último. Então tentei acordar o mais cedo possível para um sábado. Uma da tarde foi o que consegui. As noites de sexta são muito doidas comigo e o Lorenzo. Esse ano a Copa do Mundo da nova Zelândia ajudou a aumentar a confusão de horários. A Betine tinha se comprometido com o lance dela de trabalhar nos findis pra adoção de cachorros de rua e eu, sabendo que as partidas começavam à uma da tarde me programei para tentar chegar às três da tarde. Não é fácil com criança. E sabia que ele não aguentaria mais de três horas assistindo Rugby. Mal aprendeu as regras do futebol e eu confundindo a mente de cinco anos dele com as do Rugby. Ele inventou o RugbyBol, um esporte onde pode chutar a bola ou pegar com a mão e depois que entrar na goleira gritar TRY!

 Lorenzo e a "floresta"

Chegamos às 4 da tarde no campo da ESEF. Campo de futebol, claro, adaptado para o Rugby. Dois postes de 3 metros amarrados em cada goleira e era isso. É assim em quase todos os campos improvisados de Rugby. Campo duro, grama rala e ressecada pelo sol forte do verão. A prefeitura de  poderia criar um espaço público somente para Rugby em Porto Alegre. Até onde sei, não existe. Mas quem sabe, com mais gente jogando, criem. Criaram espaço pros skatistas, não é? Pra tantos outros esportes. Porque não pro Rugby? Enfim, chegamos já nas semifinais, ou na decisão de 3º lugar um pouquinho antes. Depois que vi que era o Farrapos jogando contra o Charrua um dos jogos. 10x5 pro Farrapos. Mas não consegui acompanhar direito. Estava pra lá e pra cá entretendo o Lorenzo com corridas e brincadeiras de se esconder na sombra e com um aviãozinho que ele tinha na mão. Um senhor que ajeitava uma cadeira de praia embaixo de um guarda-sol na frente de uma faixa do San Diego mexeu com o Lorenzo.
- Qual é teu time?
Lorenzo fez que não ouviu. Eu respondi:
- Nós somos de Porto Alegre mas nosso time é o "farrapo" de Bento.
- Farrapos! Então vamos nos enfrentar na final. Quem vence? Vou apostar o meu contra o teu, falou ele claramente brincando com o Lorenzo.

Cerca de 100, 120 pessoas, entre jogadores, curiosos e namoradas se esparramavam por baixo de árvores e onde existisse sombra. Dá pra se saber num dia desses porque o Rugby na Europa é um esporte preferencialmente de inverno. É realmente PUNK ver os caras se debaterem num sol de mais de 30 graus no lombo. Salsichão era assado numa churrasqueira portátil, garotas passeavam com cachorros, crianças mais pequenas que o Lorenzo corriam ou gritavam e um isopor de cerveja silenciosamente gelava em um canto mais refrescante. Caminhando do lado do campo a bandeirinha gritava enquanto trabalhava na decisão do terceiro lugar, vencida pelo Charrua por 32-0 sobre o Fronteira Sul:
- Tô louca pra tomar uma cerveja depois disso tudo.
Eu também, eu também, pensei. Carregar 20 quilos de confusão pra lá e pra cá também cansa. Ainda mais quando os 20 quilos chamados Lorenzo querem salgadinhos, refri, chocolate e experimentar mijar em todas as árvores. Dando a volta no campo encontramos o time do Farrapos concentrado antes da final, em roda, na sombra contrária ao furdunço do churrasqueio. Não lembro o nome do pessoal, apesar de saber o nome pelo Facebook, e cumprimento à distância. Márcio Mello, manager do clube, se aproxima pra nos dar um aperto de mão. Trocamos algumas frases rapidamente pois já era hora da decisão.

 Público lotando as "arquibancadas"

Rugby Seven não é aquela loucurada do XV, sabem? São 7 minutos pra cada lado e 7 jogadores com 5 reservas pra cada time, mas é muito mais corrido. Claro que existe o embate físico forte, mas num campo com as mesmas dimensões do Union é complicado segurar um jogador quando desembesta pela ponta ou fura a linha adversária. Tirando a saída dos 22 ser do time que pontuou após os tries, as regras são basicamente as mesmas. Como o jogo é realmente muito rápido, quando 7 minutos decidem passar rapidamente, claro, muitas vezes os times optam por nem cobrar a conversão após os tries. Não era o caso naquela decisão.

O San Diego começou mais veloz e apertando a marcação e enfiou 2 tries e uma conversão na primeira metade do tempo. O Farrapos equilibrou a partida, recuperou o jogo no combate físico e conquistando espaço chegou aos mesmo 2 tries também errando uma conversão. E a primeira etapa acabou em 12-12. Era só um aviso para a segunda etapa. A torcida, quer dizer eu, Lorenzo e mais 2 garotas , mais 2 magrões que chegaram depois para pedir informações sobre o Farrapos e conversar com um dos jogadores, demos alguns passos atrás. O ambiente estava nervoso, muito mais pelo lado do San Diego que disputava ultrapassar o Charrua na pontuação geral dos Sevens, na 1ª etapa as posições dos dois clubes foi invertida, do que pelos Farrapos que tinham vencido a etapa anterior, e alguém pediu para todos saírem da lateral do campo. O treinador do time porto-alegrense gritava exaustivamente em portunhol para o time "lutar com coraçón, com espírito". Lorenzo perguntou que "língua louca era aquela? Italiano?" Pra ele tudo que não é português ou o inglês da TV é italiano.

 San Diego reunido antes do segundo tempo

Try e conversão do San Diego. Comemoração efusiva. O jogo se equilibra de novo e o Farrapos, muito mais no seu jogo, vai forçando aos poucos a aguerrida defesa adversária e com muita luta chega a mais um try e uma conversão. Empate. 19-19. O Farrapos empurra o San Diego e chega a mais um try pela esquerda. Finalmente é a virada. Errada a conversão, 24-19. Faltam 2 minutos. Mas que minutos intermináveis, tchê! O treinador do San Diego quase pula dentro do campo berrando, os ânimos se exaltam, murmúrios de contestação à arbitragem, subsituições nos últimos instantes. O San Diego joga tudo. No Rugby é assim. Nada está definido até o último instante. E não estava. Num tour de force contagiante da equipe da Capital é alcançado o in goal bento-gonçalvense e estabelecido o empate. Festa. Tudo por uma conversão. O jogador do San Diego, talvez também nervoso pelo lance decisivo, erra. 24-24. Prorrogação.

Sem substituições, avisa o árbitro. Cinco minutos pra cada lado ou até alguém pontuar. Morte súbita. Joelhos sangrando, cabelos empapados pelo suor, camisetas rasgaras pelo combate e uniformes pintados da mesma cor apesar do tempo seco. É Rugby em estado bruto, penso eu. Acredito que é. Lorenzo já se impacienta, tem sede, mas agora não saio dali, a sede que espere. E o primeiro tempo da prorrogação fica mais emocionante depois de uma disputa mais ríspida pela bola no meio-campo terminar com um jogador do Farrapos estendido no chão. Sem substituições! O jogador é carregado para fora. Mal consegue ficar em pé. Sem condições mesmo para um rugbier. O Farrapos continua. Seis contra sete. E logo tem uma infração a favor. O vento golpeia no entardecer porto-alegrense justamente na hora do chute, que sai desviado pra direita do H. Mas o jogador do San Diego erra no tempo da bola e comete um knock-on. Até um neófito como eu nota de longe o erro. Posse de bola do Farrapos. Mesmo com um a menos e na pressão de ter errado um penalti, o Farrapos consegue fazer uma boa troca de passes e furar a linha porto-alegrense. Try! Morte súbita. Farrapos 29-24 San Diego. Emocionante mesmo.

 Os campeões

Cumprimentamos o Farrapos, o time para o qual torcemos, afinal, e fico feliz por ter assistido um bom jogo. Os jogadores do San Diego vêm abraçar e se desculpar por uma eventual força de vontade mais exacerbada com o jogador leisonado do Farrapos, que, diga-se, foi antes procurado pelo pessoal da ambulância que estava lá à disposição de qualquer eventualidade. Márcio telefona e posta no Facebook a notícia da vitória. Assim funciona a notícia no Rugby. Sem grandes meios de divulgação, pingando aqui e ali, e tentando crescer e ser mais conhecido e popular. Os dois rapazes ao lado comentam que estavam pensando em fazer alguma arte marcial, mas que Rugby é bem mais interessante. é mesmo. E o Farrapos é campeão!

Suado, cansado, com fome e uma vontade doida de chegar em casa, abrir um latão e esperar pela decisão do Super10 na TV, caminhamos até o carro. Lorenzo é cumprimentado educamente pelo amigo dele, o do guarda-sol, torcedor do adversário, pelo título. A cordialidade do Rugby se faz presente no aperto de mão. Passamos no supermercado e nos abastecemos de pizza, guaraná e cerveja. A noite de sábado, como sempre foi pra mim, será longa. Assim como longa será a vida do Rugby no Brasil. Acreditem. Será.

3 comentários:

Anônimo disse...

Parabens Marcelo otimo texto......


E DALE FARRAPOS....

Débora disse...

Eu estava lá vendo o jogo, e o texto está fidedigno. Deu pra sentir realmente como foi aqueles momentos, Parabéns!!

Franco Garibaldi disse...

Sensacional o relato. Pra quem não conseguiu estar lá, como eu,deu pra se sentir lá!